domingo, 26 de agosto de 2012

19. Um dia em casa

Acordar no hospital foi um alívio. Primeiro, porque aquele pesadelo recorrente "não posso esquecer o caminho" (veja no artigo Uma noite no hospital) foi angustiante, estar acordado acabava com o pesadelo. Segundo, acordar depois da cirurgia, fora da UTI, com minha mulher ao lado, era muito, muito bom!

Acordei bem, tomei o café - delicioso - e o médico chegou. Mais uma vez, excelente profissional que é, fez mais alguns testes (olhe aqui, caminhe até lá, ande em linha reta) e me liberou: você pode voltar para casa!

Que sensação boa foi ouvir esta frase! Mas também estava com medo, o que estava acontecendo? Quem sabe era o pesadelo daquela noite? Comentei com o médico, ele achou que tudo poderia ser ansiedade, até sugeriu um calmante.

Não gosto de calmantes, mas resolvi aceitar. Até porque era um calmante natural, desses vendidos sem receitas, mas que para mim certamente faria um grande efeito - eu nunca havia tomado calmante antes!

Fomos para casa, meus cunhados estavam esperando no hospital e me levaram. É muito bom poder contar com família, o conforto emocional é enorme nestas horas. Mas eu estava aliviado e angustiado!

Chegando perto de casa, a angústia falou mais alto, pedi a meu cunhado para entrar direto na garagem do prédio. Eu não estava disposto a passar pela portaria e falar sobre minha cirurgia com porteiros e eventuais vizinhos que encontrasse.

Em casa, fui direto para o sofá. Tinha medo de andar. Tinha medo de cair. Eu ainda estava tonto, inseguro. Nas poucas vezes que levantei para ir ao banheiro, eu calculava com muita precisão a distância entre o sofá e a parede, era meu ponto de apoio. Como eu estava inseguro!

Chegaram as primeiras visitas, eram meu irmão e filhos. Gosto muito deles, gostei muito da visita. Foi muito bom abraçá-los e falar sobre o sucesso da cirurgia. Eles estavam todos muito preocupados, estavam agora aliviados.

E aí veio uma sensação que meu surpreendeu. Surpreendeu muito! Sou normalmente uma pessoa otimista, pronto para a vida. No entanto, na televisão ligada, alguém matou alguém, eu pensei: "Que feliz este aí, bem queria eu morrer agora!"

Duelo na TV

Que absurdo pensar assim! Tenho vergonha até de falar sobre isso aqui no blog, este tipo de pensamento não combina comigo. Como assim, "quero morrer?" Seria depressão pós-cirurgica? Seria medo daquele pesadelo que poderia acontecer novamente naquela noite? Ou estaria eu apenas cansado?

O pessoal foi embora, era hora do banho. O primeiro após a cirurgia! Era preciso muita coragem, minha mulher tirou o curativo, eu precisava lavar tudo com água e sabão. E não era só passar a mão de leve, meu médico havia dito para eu fazer uma boa limpeza, senão iria ter algum tipo de acúmulo de gordura no local - o que não seria bom.

Banho tomado, cabeça absolutamente limpa e seca, comi alguma coisa leve e já era hora de ir para a cama. Sou resistente, já disse, resolvi tentar dormir sem tomar calmantes. Claro, não adiantou, algum tempo depois de sono, lá estava eu desesperado, o pesadelo havia voltado.

Não havia alternativa, tomei o calmante, voltei a dormir. E dormi a noite toda. Será que minha vida voltaria ao normal?





sábado, 18 de agosto de 2012

18. Uma noite no hospital

Após um dia de UTI, a noite em um quarto do hospital prometia ser muito boa. Comentei em outro artigo, hospitais hoje em dia parecem até hotéis, não é a toa que encontrei frigobar, TV, serviço de quarto e até mimos como touca de banho, sabonetinhos, pentes e pastas de dentes. Um belo de um local para passar a noite.

Logo após um merecido banho - com muito cuidado, não queria molhar o curativo em minha cabeça - o jantar chegou. Jantar igualmente merecido, minha fome era muita.

Se tem algo que conforta é saber que parentes e amigos se importam com a gente. Enquanto tomava meu banho, enquato jantava, as pessoas ligavam, queriam me ver. Foi só acabar o jantar que chegaram amigos, depois parentes, depois amigos e parentes - meu quarto parecia uma festa. Meu quarto ERA UMA FESTA, estávamos todos comemorando.

Mas um problema, problema sério, estava para acontecer. Todos foram embora, ficamos minha mulher e eu. Era hora de dormir. Foi só fechar os olhos que o drama começou: EU ESTAVA COM MEDO DE DORMIR! Na verdade, eu estava mesmo é com MEDO DE NÃO ACORDAR SE DORMISSE!

Deitado, no escuro, aquele quarto parecia minúsculo, eu estava me sentindo sufocado. Minha sensação era de que não conseguiria nem me mexer na cama, de tão pequeno que sentia o quarto. Claro que era só sensação, acábavamos de receber seis pessoas ao mesmo tempo algum tempo antes.

Pior mesmo era fechar os olhos e tentar dormir. Eu tinha pesadelo, sempre o mesmo. Caminhava por um caminho bem difícil, específico, importante. Aí, quando eu acordava, o sonho ainda estava comigo, eu não poderia esquecer o caminho feito enquanto dormia porque senão não saberia voltar. Era angustiante!
Foto meramente ilustrativa publicada originalmente em Blog Olhares

Acredito que por trás de tudo isso estava o medo de perder a consciência, afinal havia um furo em meu cérebro - dois furos - o que será que aconteceria dali para frente? E se os neurologistas conservadores tivessem razão, e se meu cérebro sofresse uma inversão (artigo Cérebro Invertido)? E se o líquor não parasse mais de sair, tal como em um cano furado - como falou outro médico especialista (veja no mesmo artigo Cérebro Invertido)?

Motivos para medos é que não faltavam! Era começar a dormir que o mesmo pesadelo acontecia. Eu não podia esquecer o caminho, eu precisava voltar. Foi angustiante! Passei grande parte do início do sono dormindo, acordando, sentando na cama, de novo dormindo, acordando...

Resolvi me entregar, pensei que mais hora menos hora eu pegaria no sono. Se não encontrasse mais o caminho, se perdesse a consciência, a razão, fazer o quê? Lembrei de uns princípios de meditação, comecei a prestar atenção em minha respiração ... e dormi!

Foi um alívio! Amanheci melhor, ainda com os medos presentes, mas um pouco mais distantes. Quando o médico chegasse, conversaríamos melhor. Mas alguns problemas ainda me esperavam. Conto no próximo artigo!

sábado, 11 de agosto de 2012

17. Um dia na UTI

Você consegue mexer a perna?
Você consegue mexer o braço?
Você está me vendo?

Minha mulher leu o artigo passado, quando comentei minhas primeiras palavras, "...Não se preocupe, lembro que você também sentiu um frio grande..." e perguntou se eu lembrava das palavras dela. Não lembrava. Na verdade, não lembro até hoje. Foram estas três perguntas que iniciam este artigo.

Três perguntas, aliás, que demostram muito bem o que todos estavam pensando ANTES da cirurgia. Será que eu teria alguma sequela? Depois de todo o TERRORISMO que os médicos especialistas fizeram, motivos é que não faltavam para nossos medos.

Um falou que meu cérebro sofreria uma inversão, já que o furo na base do terceiro ventrículo o esvaziaria, e o quarto ventrículo tenderia a ocupar este espaço, provocando a tal inversão do fluxo de líquor.

Outro falou que um furo assim seria semelhante a furar um cano d'água, o líquido não pararia de sair, sairia bastante na verdade. Este médico falou inclusive que já havia vistos médicos (estes moleques formados em faculdades de segunda) fazerem isso, e que depois levavam os pacientes para ele resolver as bobagens feitas. Palavras dele, não minhas!

Mas eu acordei muito bem. Animado, otimista, querendo abraçar o mundo, como já comentei no artigo passado. E com uma fome danada, queria tomar meu café, que nunca chegava. Fiquei então ouvindo tudo o que acontecia do lado de fora do quarto, queria saber se o café estava chegando.

Ouvi então um enfermeiro mais brincalhão lá fora, ele conversava com todos, brincava com todos. Foi ele quem agilizou meu café. Talvez um dos melhores que já tomei na vida. Mesmo simples, parecia um banquete.

Ele também me levou para fazer uma tomografia, era o exame que iria apontar algum eventual sangramento. Ele foi brincando com todo mundo nos corredores, o clima era ótimo. Melhor ainda a volta: eu tinha PASSADO no exame de tomografia, não havia sangramentos!

Algum tempo mais, já fora da cama, mas ainda sem ter colocado o pé no chão, e depois de muito desenho do Pica-Pau, chegou a fisioterapeuta. Seu objetivo: testar meu equilíbrio e movimento. De novo, passei com louvor no exame.

Chegou meu médico, ainda comemorando o sucesso da cirurgia. Conversamos um pouco, fez algumas perguntas, contei sobre meu estado de espírito altamente animado, ele fez alguns testes - ande em linha reta, ponha o dedo na ponta do nariz, feche os olhos - e por fim comemorou comigo: ESTÁ TUDO MUITO BEM!

Vinha agora a melhor parte, já estava pronto para sair da UTI e ir para o quarto. Foi aí que começou o martírio, não havia quarto disponível no hospital, era preciso aguardar.

Chegou minha mulher e meu pai para a visita da tarde. Como eles estavam com minhas roupas, aproveitei e vesti calça e camiseta. Tomei uma bela de uma bronca.

Na UTI é preciso ficar de camisola!

Coloquei de novo aquela camisola. Aquela horrível camisola. Mas eu estava bem, a cirurgia tinha dado certo, eu estava de bom humor. Só estava era ansioso para sair de lá.

Comecei a passear pela UTI, procurando saber quando eu poderia sair. Tomei uma bela de uma bronca.

Há muitos pacientes por aqui com doenças graves, contagiosas, o senhor quer correr o risco?

Voltei para meu quarto, quase correndo. Afinal, havia muito Pica-Pau na TV. Depois de mais algumas horas, e da ajuda de meu amigo enfermeiro, conseguimos um quarto.

Mas a noite que se aproximava não seria assim tão tranquila. Conto no próximo artigo.